
Crítica de filme: “Robô Selvagem”
Se há algo que o cinema de animação faz de melhor, é transformar o extraordinário em familiar, e “Robô Selvagem” faz isso com uma maestria que só pode ser descrita como mágica. Dirigido por Chris Sanders e baseado no livro homônimo de Peter Brown, o filme não apenas cativa os olhos com sua arte única, mas também toca a alma com uma história de profunda ressonância emocional.
A premissa, à primeira vista, parece simples: uma robô movida a tarefas é lançada em um ambiente selvagem e, ao longo do tempo, aprende a cuidar, a conviver e, acima de tudo, a amar. Contudo, a simplicidade é enganosa, pois logo se revela uma narrativa cheia de camadas, como a carcaça do robô que protege algo mais frágil e humano por dentro.
A animação de Sanders entrega um espetáculo visual que beira o surreal. As paisagens, meticulosamente desenhadas, evocam um contraste fascinante entre o rígido e o orgânico, enquanto a própria personagem principal – com seus movimentos mecânicos e feições sem expressão – consegue transmitir uma humanidade inesperada. É aqui que o filme encontra sua magia: na aparente contradição de um robô aprendendo a ser mãe, encontrando significado em algo que ultrapassa sua programação inicial.
Essa jornada, de certo modo, ecoa minha própria história. Como alguém que vive com autismo, sempre me senti atraído por personagens robóticos – figuras que, tal como eu, operam de maneira distinta, mas encontram uma conexão com o mundo ao seu redor à sua própria maneira. A robô deste filme está aprendendo a socializar, a interagir, mas sem perder sua essência. Há algo profundamente inspirador nisso. Em sua tentativa de maternar, de proteger uma vida frágil e de se adaptar a um ambiente hostil, vi um reflexo de minha própria experiência como pai. Sempre cuidei do meu filho com uma dedicação que muitos ainda, infelizmente, associam a estereótipos de gênero, e fiz isso com uma mistura de aprendizado, persistência e amor.
O filme também aborda com sutileza a ideia de emoções artificiais. A robô, com sua inteligência programada, desenvolve uma capacidade de sentir que, paradoxalmente, parece mais genuína do que as emoções que encontramos em muitas pessoas. É uma lição poderosa: aquilo aprendido, cultivado e praticado pode ser tão real quanto o que parece inato.
Há, ainda, um forte apelo ambiental que permeia a narrativa. “Robô Selvagem” não apenas celebra a vida selvagem, mas nos faz refletir sobre nosso papel em cuidar do mundo ao nosso redor. A contradição do título – como pode um robô ser selvagem? – encapsula uma ideia central do filme: somos todos moldados por nossas programações sociais, culturais ou biológicas, mas o amor e o cuidado podem nos libertar para viver de forma mais autêntica.
“Robô Selvagem” é mais do que uma obra de entretenimento; é um chamado para redescobrir o que significa viver, amar e cuidar. Ao sair do cinema, não consegui deixar de sentir que havia aprendido algo profundo – sobre a vida, sobre mim mesmo e sobre a capacidade que todos temos de superar nossas programações. Este filme é, sem dúvida, um presente para a família, mas também uma joia rara para quem busca arte que toca o coração e faz pensar.
Recomendo sem reservas.
Nota: 8/10
Ficha técnica do filme “Robô Selvagem”:
- Título Original: The Wild Robot
- Ano de Produção: 2024
- Direção e Roteiro: Chris Sanders
- Produção: Jeff Hermann
- Produtor Executivo: Dean DeBlois
- Data de Estreia no Brasil: 10 de outubro de 2024
- Duração: 101 minutos
- Classificação Indicativa: Livre para todos os públicos
- Gêneros: Animação, Aventura, Família
- País de Origem: Estados Unidos
- Distribuição: Universal Pictures
- Elenco de Vozes:
- Lupita Nyong’o como Rozzum / Roz
- Pedro Pascal como Fink
- Bill Nighy como Longneck
- Catherine O’Hara como Pinktail
- Kit Connor como Brightbill
- Mark Hamill
- Paul-Mikél Williams como Feather
- Stephanie Hsu como Vontra
Sinopse: Roz, uma robô, desperta sozinha em uma ilha desabitada e precisa aprender a sobreviver nesse novo ambiente enquanto seu passado retorna para assombrá-la.
Trilha Sonora: Composta por Kris Bowers, marcando sua primeira composição para um filme de animação.
Bilheteria: O filme arrecadou US$ 324,2 milhões mundialmente, contra um orçamento de US$ 78 milhões.
Curiosidade: “Robô Selvagem” é uma adaptação da série de livros homônima de Peter Brown.
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
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2 Comentários
Pablo Henrique Magalhães Nunes
Eu geralmente tenho dificuldades para reassistir quase tudo. Quem me conhece sabe…o interessante é que os poucos que realmente gosto e consigo ver novamente, consigo fazê-lo ainda por várias vezes. E esse filme com certeza será um deles.
Muito legal seu texto, mas algo realmente me chamou a atenção que foi dizer: “aquilo aprendido, cultivado e praticado pode ser tão real quanto o que parece inato.”, foi um dos meus pensamentos durante o filme.
Mesmo não tendo tudo o que geralmente se espera quando se nasce (amor, carinho, atenção, cuidado e etc), não que dizer que seja um caso perdido ou que não possa aprender a oferecer todas essas coisas.
Parabéns pela análise mano!
Vou tenta ler as outras também!
Abração!
Paulo Freitas
Que bom que gostou. Não sou crítico de cinema, mas gosto muito de assistir filmes e estou tentando expressar, não apenas uma visão técnica, mas meu sentimento sobre.