Por trás do título que parece ter saído diretamente de uma prateleira de filmes B dos anos 80, Diários de um Robo Assassino — produção original da Apple TV baseada na série de livros MurderBot Diaries, da escritora Martha Wells — esconde-se uma obra inesperadamente delicada, inteligente e… neurodivergente.
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A trama acompanha um androide de segurança que conseguiu burlar seu próprio código de controle e, com isso, ganha autonomia de pensamento. Aparentemente uma ameaça de proporções catastróficas, esse “Robo Assassino” (nome que ele mesmo escolheu, ironicamente) não tem interesse algum em matar humanos — ele só quer ficar sozinho, assistir sua novela sci-fi favorita em paz e evitar interações sociais a qualquer custo. Mas o universo, como sabemos, adora perturbar a paz dos introvertidos.
Logo, o anti-herói (ou seria anti-social?) se vê ao lado de uma equipe de cientistas em missões que vão do campo de estudo ao caos total, sempre narradas por um monólogo interno digno de um diário existencialista com toque sarcástico. E é aqui que a série revela seu coração: esse robo não é só uma máquina que ganhou consciência. Ele é uma representação sofisticada, e sem estereótipos, de alguém no espectro autista.
Desde o incômodo com o contato físico e o olhar direto, passando pelos hiperfocos (ele sabe todas as falas da série que ama de cor), até a dificuldade em entender ou lidar com as sutilezas das interações humanas, o protagonista é um espelho para muitos que vivem dentro de neurodivergências invisíveis. Ainda assim, entre respostas secas, silêncios longos e decisões analíticas, ele demonstra uma empatia profunda, mesmo sem saber exatamente como expressá-la. E talvez aí esteja sua humanidade mais pura — paradoxalmente mais forte em um ser que não é humano.
A série brilha também pelo equilíbrio de tom: há leveza e humor autodepreciativo nas falas do robo (que provavelmente detestaria saber que estamos escrevendo sobre ele), e há ação precisa, colocada com economia e inteligência. Os episódios curtos — com cerca de 30 minutos — funcionam como cápsulas narrativas intensas que deixam aquele “cliffhanger emocional” típico de roteiros bem amarrados: você não apenas quer saber o que vai acontecer, você quer saber como ele vai reagir.
E sim, existe um mistério sci-fi envolvido. Mas ele é quase coadjuvante diante do verdadeiro centro da série: uma reflexão elegante, irônica e comovente sobre liberdade, identidade e a necessidade (às vezes incômoda) de conexão.
Diários de um Robo Assassino não grita por atenção. Ele simplesmente entra, de maneira contida, fria e muito bem calculada… e toca você profundamente. Mesmo que prefira não admitir.




