Nunca imaginei que, aos 37 anos, descobriria algo tão significativo sobre mim mesmo que mudaria completamente a minha percepção do passado. Foi nesse momento que compreendi que muitos dos desafios que enfrentei ao longo da vida foram causados por algo que eu nem sabia que existia: o autismo.
Desde jovem, sempre tive um lugar preferido nos cultos da igreja. Escolhia os primeiros bancos, onde me sentia mais conectado e envolvido com o que era ensinado. Minha dedicação aos estudos da Palavra sempre foi intensa e minha memória tem uma capacidade incrível de reter conteúdos. Ainda consigo lembrar detalhadamente de pregações inteiras. No entanto, com o passar do tempo, algo começou a mudar.
A Mudança de Lugar e os Julgamentos
O barulho durante os cultos começou a me incomodar de uma forma insuportável. Aos poucos, fui me afastando dos primeiros bancos e passei a me sentar nos últimos, buscando um ambiente menos ruidoso e mais confortável. Na minha mente, essa mudança fazia todo o sentido. Porém, para os outros, parecia um sinal de algo errado.
Ninguém nunca me perguntou o motivo dessa mudança, mas as especulações não demoraram a surgir. Ouvi, de forma indireta, comentários como:
- “O Paulo deve estar esfriando na fé”.
- “O Paulo acha que está sabendo demais”.
- “O orgulho da teologia subiu à cabeça”.
- “Pastor, o que está acontecendo com o irmão Paulo, ele saiu lá da frente e foi lá para trás?”.
- “Todo rebelde começa assim”.
- “Pra abandonar a fé depois disso é só um pulinho”.
- “O irmão Paulo deve estar escondendo alguma coisa”.
Lembro-me de um pastor, no seminário, que me disse com tom sarcástico: “Tá sentando nos últimos bancos, sei não…”. Esses comentários, que soube apenas muito tempo depois, a maioria, nunca foram feitos diretamente a mim.
A Ilusão de uma Comunidade Terapêutica
A igreja, para mim, sempre foi um lugar de refúgio e crescimento. Ouvi inúmeras vezes que a igreja é uma comunidade terapêutica, e eu concordo plenamente com essa ideia. Infelizmente, a realidade que vivi mostrou que muitas igrejas oferecem uma “terapia” baseada em interesses desumanos, empresariais e egoístas, onde apenas aqueles que se encaixam nas exigências da alta cúpula são realmente acolhidos.
Quem mais sofreu com tudo isso não fui eu diretamente, mas minha esposa. Ela percebeu o que estava acontecendo e sentiu a dor de cada comentário maldoso. Ela me alertava, mas eu, na minha ingenuidade, acreditava que pessoas cristãs agiam como cristãs. Se algo estivesse errado, elas viriam me falar diretamente. Como ninguém me dizia nada, eu acreditava que estava tudo bem.
Gratidão e Superação
Hoje, dou graças a Deus por Cristo ter me salvado e preservado a mim e minha família. A descoberta do autismo trouxe clareza e entendimento sobre muitas das minhas atitudes e dificuldades. Compreender que muitas das minhas ações eram respostas às minhas necessidades sensoriais e emocionais me trouxe paz. Agora, posso olhar para trás e ver que, apesar das dificuldades, a minha fé e dedicação nunca diminuíram. Se alguma coisa, apenas me tornaram mais forte e resiliente.
Essa jornada de descoberta tardia me ensinou a importância da compreensão e da empatia. Espero que minha experiência possa abrir os olhos de muitos para a necessidade de acolher e entender as diferenças individuais, especialmente dentro da igreja, que deve ser um lugar de amor e aceitação incondicional.
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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.