Igreja, Deficiência e o Grito Silenciado – 2
Parte 2 – O lugar da presença: entre acessibilidade e espiritualidade Se a primeira parte deste estudo foi um grito contra uma teologia disfarçadamente capacitista, esta segunda parte é um apelo mais prático, porém não menos profundo. Aqui, a pergunta muda de foco: ela sai do campo da teologia abstrata e entra no chão da igreja local. Ela nos empurra para o campo da arquitetura, da liturgia, da cultura comunitária. E se queremos ser sinceros com o Cristo encarnado, precisamos encarnar também a escuta e a acessibilidade. As perguntas agora são: Leia também: Igreja, Deficiência e o Grito Silenciado – 1 I. A arquitetura da exclusão Vivemos em tempos em…
Igreja, Deficiência e o Grito Silenciado – 1
Parte 1 – O Deus que vê: perguntas que esquecemos de fazer Há um silêncio nas igrejas. Um silêncio que ecoa mais alto do que o som dos instrumentos, mais denso do que a mais fervorosa oração. É o silêncio que envolve as vidas de pessoas com deficiência que frequentam (ou foram afastadas de) nossas comunidades cristãs. Um silêncio produzido não pela ausência de palavras, mas pela ausência de escuta. Não pela falta de ações, mas pela falta de presença real. E talvez a melhor forma de romper esse silêncio seja começar com três perguntas incômodas, mas urgentemente necessárias: I. O problema é o olhar: deficiência como “pecado disfarçado” Ainda…
A Lógica do Lucro: Trabalhar até quebrar
Vivemos em uma era em que o valor humano é medido por métricas de desempenho e lucro. No cenário capitalista globalizado, empresas operam sob a lógica brutal da produtividade: quem rende é mantido, quem não rende é descartado. É o corte frio da eficiência. Recentemente, demissões em massa têm acontecido não apenas no Brasil, mas em várias partes do mundo. E não por falta de recursos — mas porque o sistema exige constante crescimento, mesmo que esse crescimento destrua pessoas no processo. Leia também: A Simplicidade Esquecida da Identidade Cristã Poderíamos tentar suavizar essa lógica com alguma analogia bíblica — como a da videira e dos ramos em João 15…
O Peso do Fazer e o Esquecimento do Ser
Acordamos com pressa, dormimos com culpa. O tempo, esse senhor inflexível, nos arrasta como se fosse dono da nossa alma. Vivemos entre planilhas e postagens, entre tarefas e metas, entre agendas lotadas e cafés apressados. A vida, dizem, é movimento. Mas que tipo de movimento é esse que não nos permite parar? Leia também: A Medida do Fazer: Crítica e Complementaridade Na modernidade, a essência da vida foi sequestrada pelo fazer. Tudo gira em torno do produzir. Produzimos conteúdo, resultados, filhos, festas, memórias instantâneas — e esquecemos que viver não é uma função executiva. Tornamo-nos engrenagens bem lubrificadas de uma máquina que nunca para. O sistema nos sorri com dentes…
A Concha, o Corpo e o Silêncio: Crônica para os Esquecidos do Mar da Deficiência
“As pessoas se esquecem das criaturas que vivem dentro das conchas”1.A frase passou pelo filme como o vento que atravessa uma cortina leve — quase imperceptível, mas suficiente para causar um estremecer na alma. E ficou. Não como uma lembrança, mas como uma ferida aberta. Uma sentença silenciosa escrita nas paredes úmidas das casas onde moram aqueles que não aparecem, aqueles que não performam, aqueles que não são lembrados porque não conseguem ser vistos. Leia também: Pessoas com deficiência e fé cristã A concha é metáfora, mas também é matéria. Ela é forma, mas sobretudo é existência. Para muitos de nós, ela não é um invólucro descartável. É carne, é…
A Odisseia de Um Autista com a Saúde Bucal
Tudo que diz respeito à dentição sempre foi muito difícil para mim. Desde criança (e sendo autista sem saber), a escovação era um verdadeiro suplício: o simples toque das cerdas nos meus dentes provocava uma dor intensa, quase inexplicável. Por isso, eu simplesmente não escovava. O resultado não tardou a aparecer — uma infância marcada por cáries, dores agudas e um tratamento precoce de canal. Era comum que meus dentes doessem ao menor estímulo, e os problemas bucais me acompanharam até cerca dos 25 anos, com múltiplos canais ao longo do caminho. Leia também: A Dor em Pessoas Autistas Com o tempo, fui desenvolvendo estratégias de sobrevivência: descobri escovas mais…