Mitos e Realidades da Psique Humana

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Vivemos em uma era em que os males da psique humana são simplificados por frases feitas, ditados que tentam reduzir complexos sofrimentos a uma lógica rasa. Há quem diga que a depressão é excesso de passado, a ansiedade, excesso de futuro, e o estresse, excesso de presente. Palavras fáceis de serem repetidas, quase como mantras populares que pretendem consolar, mas que escondem uma perigosa superficialidade.

Essas simplificações, que soam quase poéticas, não são apenas imprecisas — são enganosas. A ciência da mente, em particular as neurociências, nos ensina que o sofrimento mental não pode ser capturado em fórmulas prontas. A depressão, por exemplo, não é um simples aprisionamento no passado. Estudos mostram que, no nível cerebral, o estado depressivo está profundamente ligado ao presente, à incapacidade de reagir ao agora. A ruminação, uma característica central da depressão, não é um ato de nostalgia, mas de impotência. O cérebro não consegue encontrar saídas para as demandas atuais, e é aí que o desespero se instala, numa espécie de paralisia cognitiva.

A ansiedade, por sua vez, não é o excesso de futuro. Embora o medo do desconhecido faça parte desse distúrbio, ele tem raízes no presente e, muitas vezes, no passado. A ansiedade é uma reação ao perigo, real ou percebido. O cérebro ansioso vê ameaças onde elas podem nem existir, mas faz isso porque está condicionado por traumas e experiências anteriores. O futuro é apenas um cenário para projeções baseadas em medos antigos, e a pessoa ansiosa, paradoxalmente, está presa ao seu passado, ainda que tenha o olhar voltado para o que está por vir.

O estresse, aquele que dizem ser o mal do presente, também é uma distorção do real. O que chamamos de estresse crônico é, na verdade, uma resposta prolongada a feridas e desafios que foram vividos, muitas vezes, em tempos passados. O corpo carrega cicatrizes que, não tratadas, se manifestam no agora. É como um alarme que não desliga, sempre tocando, lembrando o cérebro de que algo, lá atrás, continua por resolver.

Portanto, o mito de que cada distúrbio está atrelado a um tempo específico — passado, presente ou futuro — não só falha em compreender a complexidade desses fenômenos como também impede que aqueles que sofrem recebam o tipo de ajuda que realmente necessitam. O sofrimento da mente é entrelaçado, atemporal. Não se resolve com frases prontas, mas com compreensão profunda dos mecanismos que nos afetam.

A verdadeira sabedoria, portanto, está em abandonar essas ilusões simplificadoras. Se quisermos ajudar aqueles que sofrem, precisamos nos afastar dessas fórmulas populares e buscar uma visão mais realista, baseada no que a ciência e a filosofia nos mostram sobre a mente humana. A dor não pode ser explicada com uma equação de temporalidades. Ela é muito mais complexa, muito mais humana — e, portanto, muito mais digna de nossa atenção profunda e cuidadosa.

Perguntas para Refletir

  1. Será que nossas tentativas de simplificar os distúrbios mentais, atribuindo-os ao passado, presente ou futuro, não revelam nosso próprio desconforto em lidar com o sofrimento alheio?
  2. Ao aceitar explicações populares para a depressão, ansiedade e estresse, estamos realmente compreendendo a experiência de quem sofre ou apenas buscando uma solução rápida para nosso desconforto em entender a complexidade da mente humana?
  3. De que maneira poderíamos transformar nossa visão sobre esses distúrbios se, ao invés de focarmos em “quando” a dor ocorre, começássemos a nos perguntar “por que” e “como” ela afeta o presente de quem sofre?
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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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