Racismo na Igreja: O Pecado (Quase) Silenciado

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Há um silêncio cúmplice que ecoa nos púlpitos das igrejas evangélicas brasileiras. Um silêncio que não é de reverência, mas de omissão. Um silêncio quase ensurdecedor diante do clamor de irmãos e irmãs que carregam na pele a marca de uma cor que ainda hoje é marginalizada, ignorada, agredida. Falar sobre racismo na igreja não é trazer “pauta política” ao altar — é, antes, responder bíblica e profeticamente ao clamor da justiça. É cumprir o evangelho.

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Infelizmente, quando se menciona racismo em muitos ambientes evangélicos, logo surgem vozes defensivas: “isso é lacração”, “isso é marxismo”, “isso é ideologia”. Mas o que deveria ser imediatamente reconhecido como pecado estrutural, como heresia prática, como transgressão à imago Dei, é frequentemente relativizado, espiritualizado ou simplesmente ignorado. A branquitude hegemônica, especialmente nas igrejas de origem reformada, continua a moldar a estética, a teologia, a liderança e até o acolhimento, com uma sutileza cruel e profundamente anticristã.

Contraditoriamente, a maior parte dos corpos negros — pretos e pardos — que frequentam igrejas no Brasil está entre os pentecostais nas periferias. São mulheres e homens que sustentam comunidades com sua fé, sua música, sua oração e seu serviço. São crianças negras que aprendem sobre um Deus que as ama, mas ao mesmo tempo experimentam dentro das igrejas olhares tortos, piadas racistas, ausência de representatividade e lideranças que evitam tocar nesse “tema espinhoso”.

A teologia que não confronta o racismo é teologia cúmplice. E não há como seguir a Cristo e continuar compactuando com estruturas que violentam, silenciam e matam.

O caso recente no colégio Mackenzie, ligado à Igreja Presbiteriana de São Paulo, é sintomático. Uma adolescente negra de 15 anos, vítima de bullying e racismo sistemático, foi encontrada desacordada, com um saco plástico na cabeça e um fio em volta do pescoço. A diretora da instituição, em vez de ouvir, proteger e agir, acusou a vítima de “mi-mi-mi”. Esse episódio trágico revela não apenas a perversidade do racismo, mas a negligência institucional de uma igreja que se recusa a ouvir os gritos que vêm das margens.

O racismo fere frontalmente o segundo mandamento: “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mateus 22:39). Vai contra o chamado de Jesus às crianças — “porque delas é o Reino dos Céus” (Mateus 19:14). Viola a doutrina da imago Dei, pois rebaixa o valor e a dignidade do outro criado à imagem e semelhança de Deus. É uma blasfêmia social que despreza a multiforme sabedoria divina expressa na diversidade humana (Efésios 3:10).

Negar isso ou relativizar é pecar contra o próprio Evangelho. Precisamos denunciar o racismo como crime e como pecado. Precisamos confrontar pastores, líderes, igrejas, escolas confessionais. Precisamos parar de proteger estruturas e começar a proteger pessoas. E quando irmãos em Cristo cometem crimes, devem ser responsabilizados, não apenas exortados. A cruz não é esconderijo para criminosos, mas símbolo de redenção para os que se arrependem.

A igreja brasileira precisa, urgentemente, recuperar sua voz profética. Chega de discursos evasivos. Chega de silêncio. O racismo não é um problema do mundo — é um pecado da igreja também. E só será vencido quando pararmos de dizer “não é comigo” e começarmos a dizer: “isso é contra o meu Senhor”.

Fonte:

SP: mãe de aluna internada após racismo relata descaso de colégio

Família diz que aluna tentou se matar por sofrer bullying – 08/05/2025 – Educação – Folha

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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