Pessoas de diferentes jeitos com ou sem deficiências construindo o templo de uma igreja, logo a cima no centro um vitral irradiando a luz do sol com uma cruz acima no centro.
Teologia da Deficiência

Igreja, Deficiência e o Grito Silenciado – Final

Parte 4 – Reforma inclusiva: do arrependimento à reconstrução

As perguntas finais nos empurram para um confronto inadiável. Não se trata mais apenas de olhar para o que não foi feito, mas de encarar o que precisa nascer. Porque se a igreja não se repensar, ela não apenas falha com os irmãos e irmãs com deficiência – ela trai o próprio Cristo, que continua sendo crucificado nos corpos marginalizados e esquecidos. Eis as últimas perguntas:

  1. Se Jesus entrasse hoje em nossa igreja, ele encontraria espaço e acessibilidade para pessoas com deficiência?
  2. A igreja está disposta a se arrepender de sua negligência e construir novos caminhos de inclusão?
  3. Estamos dispostos a ouvir as pessoas com deficiência como teólogas, profetas e testemunhas do Reino?

Leia também: Igreja, Deficiência e o Grito Silenciado – 3

I. O Cristo impedido de entrar

A pergunta número 10 não é retórica. É dolorosamente real. Se o próprio Cristo – encarnado hoje num corpo autista, cadeirante, com paralisia cerebral, cego, surdo ou com deficiência intelectual – quisesse participar de um culto, quantas barreiras enfrentaria?

  • Haveria rampa?
  • Haveria intérprete de Libras?
  • Haveria acolhimento sensorial?
  • Alguém falaria diretamente com ele ou apenas com seu acompanhante?
  • Ele seria visto como alguém que precisa ser “curado” ou como alguém que já carrega a graça em seu corpo?

A ironia é que dizemos “vem, Senhor Jesus”, mas não conseguimos nem abrir as portas para os que ele chamou “meus pequeninos”.

E aqui a teologia precisa ser honesta: se Jesus dissesse hoje “quando fizeram a um desses, foi a mim que fizeram” (Mt 25:40), teria que também dizer: quando desprezaram, segregaram, infantilizaram ou ignoraram um desses, foi a mim que desprezaram.

A inclusão não é uma pauta política. É uma questão cristológica.

II. A igreja que se arrepende: o início da verdadeira reforma

Precisamos dizer com todas as letras: a igreja precisa se arrepender.
Não de forma performática, mas profunda. Arrependimento não é só culpa, é metanoia – mudança de mente, de lógica, de estrutura.

Arrependimento, aqui, significa:

  • reconhecer que falhamos com os irmãos e irmãs com deficiência;
  • admitir que estruturamos ministérios excludentes e capacitistas;
  • entender que dissemos “venham como estão”, mas exigimos adaptação silenciosa à norma;
  • e sobretudo, romper com a espiritualização da exclusão: aquele discurso sutil de que “no céu todos serão perfeitos”, como desculpa para não fazer nada na terra.

Precisamos de uma reforma inclusiva. Não cosmética. Não protocolar. Mas visceral.
Que comece nos púlpitos, passe pela liderança e chegue às classes, aos grupos, aos ministérios, às liturgias, à arquitetura, aos corações.

A cruz que pregamos exige braços abertos. Se ela se fecha para os diferentes, deixou de ser a cruz de Cristo.

III. Escuta radical: quando os silenciados tornam-se profetas

A última pergunta fecha o ciclo com a chave do Reino: a escuta.
A escuta que não tutela, que não corrige, que não condescende.
Mas que reconhece: há profecia, teologia e revelação nos corpos que a igreja ignorou.

Quantas igrejas convidaram autistas adultos para falar sobre espiritualidade?
Quantas reconheceram que uma pessoa com deficiência pode ser teóloga – não apesar da deficiência, mas por meio dela?

A experiência da dor, do silêncio, da espera, da dependência, da exclusão… tudo isso forma um solo sagrado.
Um solo do qual brota uma fé que não cabe nos moldes institucionais. Uma fé que não é domesticável, mas profundamente cristocêntrica, porque encarna a fraqueza e a glória do Cordeiro.

As pessoas com deficiência não são apenas objetos da missão da igreja.
São sujeitos da missão de Deus.

Conclusão Geral

Chegamos ao fim desse estudo, mas não ao fim da conversa. Pelo contrário: que este seja um ponto de partida para uma nova caminhada eclesial. Uma caminhada menos triunfalista, mais humilde. Menos capacitista, mais encarnada. Menos estética, mais ética.

A igreja de Jesus só é verdadeiramente igreja quando inclui – não como favor, mas como reconhecimento.

Inclui porque vê em cada corpo humano um reflexo do Corpo que foi partido na cruz.
Inclui porque sabe que, se uma parte sofre, todo o corpo sofre.
Inclui porque aprendeu com o Mestre que os “imprestáveis” aos olhos do mundo são os escolhidos para confundir os sábios.

Que a igreja se arrependa.
Que a igreja se reconstrua.
Que a igreja se curve.
Porque talvez seja no joelho de um cadeirante, no silêncio de um autista, na voz trêmula de quem convive com dor crônica – que o Espírito Santo esteja sussurrando:
“Eis que faço novas todas as coisas.” (Ap 21:5)

Views: 1

Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *