Escatologia: Entre a Esperança Cristã e a Escapismo Teológico

A escatologia, estudo das últimas coisas ou dos eventos finais, é uma das áreas mais fascinantes e, ao mesmo tempo, perigosas da teologia cristã. Ela lida com a consumação da história humana, a volta de Cristo e o destino eterno da humanidade. No entanto, muitos dos desenvolvimentos dessa doutrina, especialmente os que advêm de correntes pentecostais e até mesmo de certos setores reformados, particularmente influenciados pelo evangelicalismo norte-americano, representam um verdadeiro desserviço ao Reino de Deus. Este artigo pretende analisar criticamente a escatologia contemporânea, destacando suas fragilidades, excessos e desajustes teológicos.

A Fragilidade da Escatologia Popular

É inegável que a escatologia, em sua essência, deveria nos conduzir a uma esperança vibrante e ativa na segunda vinda de Cristo. No entanto, o que se vê com frequência nas igrejas, especialmente no Brasil, é uma escatologia fragmentada, alimentada por suposições infundadas e interpretações equivocadas das Escrituras. Esse fenômeno é particularmente evidente nas correntes pentecostais, que importaram dos Estados Unidos uma abordagem escatológica sensacionalista e, por vezes, irresponsável.

A escatologia que floresceu nos Estados Unidos no século XX, sobretudo o dispensacionalismo pré-milenista, promoveu uma visão detalhada e extremamente especulativa sobre os eventos do fim dos tempos, como o arrebatamento, a tribulação e o milênio. Esse sistema teológico, amplamente aceito por muitas denominações, causou mais confusão do que clareza. Ao invés de promover uma vida cristã fiel e produtiva, muitos aderentes dessa visão desenvolvem uma atitude de alienação, focados mais em identificar os sinais do fim do que em viver de maneira produtiva o presente.

Ao contrário dessa postura, o apóstolo Paulo, em suas cartas aos tessalonicenses, condena vigorosamente o escapismo escatológico que levou alguns cristãos a abandonar suas responsabilidades cotidianas. Em 2 Tessalonicenses 3:10, Paulo escreve: “Se alguém não quiser trabalhar, também não coma.” Ele alerta a igreja a não viver de maneira ociosa, esperando pelo retorno iminente de Cristo a ponto de negligenciar suas obrigações.

O Erro da “Escatologia de Jornal”

Um dos maiores problemas com a escatologia popular é o que chamo de “escatologia de jornal”. Trata-se de uma prática de associar eventos contemporâneos – guerras, catástrofes, mudanças políticas – com profecias bíblicas, sugerindo que estamos vivendo na iminência do fim. Esse tipo de abordagem não apenas gera uma escatologia sensacionalista, mas também trivializa as Escrituras, utilizando-as como uma ferramenta para validar especulações irresponsáveis.

Ao longo dos anos, muitos pregadores e autores engajados nessa prática cometeram erros graves em suas previsões. Desde datas falhas para o arrebatamento até a constante reinterpretação de figuras políticas como o “anticristo”, essas análises têm se mostrado repetidamente erradas. No entanto, poucos desses “escatomaníacos” voltam para reconhecer os danos causados. Pelo contrário, a cada nova crise mundial, surge uma nova onda de teorias apocalípticas, criando um ciclo de ansiedade e frustração entre os fiéis.

Essa postura não só é teologicamente equivocada, mas também pastoralmente danosa. A ênfase exagerada na especulação escatológica desvia o foco daquilo que é essencial: viver o evangelho no presente, servindo ao próximo e edificando o Reino de Deus aqui e agora. A Escritura é clara em afirmar que a volta de Cristo é certa, mas o dia e a hora são desconhecidos (Mateus 24:36). O chamado do cristão, portanto, não é especular sobre quando isso acontecerá, mas viver de forma que, quando Ele voltar, sejamos encontrados fiéis.

A Contribuição da Escatologia Alemã

Em contraste com a escatologia norte-americana, a teologia escatológica desenvolvida na Alemanha no século XX oferece uma abordagem muito mais robusta e relevante. Teólogos como Jürgen Moltmann, Óscar Cullmann e Paul Tillich elaboraram uma escatologia profundamente enraizada na esperança cristã, não como uma fuga do presente, mas como um chamado para a transformação do mundo atual. Moltmann, por exemplo, em sua obra Teologia da Esperança, argumenta que a escatologia não deve ser entendida como um mero conjunto de previsões sobre o fim do mundo, mas como uma força que impulsiona a missão cristã.

A escatologia alemã oferece uma teologia do futuro que não está centrada em previsões de desastres iminentes, mas na expectativa do cumprimento das promessas de Deus em Cristo. Essa visão não apenas fortaleceu o movimento missionário, mas também influenciou movimentos de libertação, como a teologia latino-americana, que enfatiza a transformação das estruturas sociais como parte do testemunho cristão no mundo. Moltmann, em particular, ajudou a moldar uma escatologia que é tanto missiológica quanto messiânica, unindo a espera pelo retorno de Cristo com o compromisso em transformar o mundo em nome Dele.

Escatologia: Esperança ou Fuga?

A questão fundamental que se coloca, portanto, é: a escatologia nos leva a uma esperança ativa ou a uma fuga passiva da realidade? A verdadeira escatologia cristã deve inspirar alegria, esperança e um senso renovado de missão. A certeza da volta de Cristo não nos chama à inação, mas à ação: amar o próximo, cuidar dos necessitados, ser testemunhas fiéis do evangelho. Se a escatologia nos tira do presente, nos aliena do sofrimento ao nosso redor ou nos leva a uma busca frenética por sinais, ela está sendo mal compreendida.

A mensagem de Cristo em Mateus 25, na parábola dos talentos, é clara: devemos trabalhar e multiplicar aquilo que recebemos enquanto aguardamos o retorno do nosso Senhor. Especular sobre os eventos finais, ao invés de cumprir nosso chamado de amar e servir, é como enterrar o talento na terra por medo do que está por vir.

Conclusão: Uma Escatologia Relevante

A escatologia cristã, longe de ser irrelevante ou uma mera curiosidade teológica, é central à fé cristã. No entanto, ela deve ser abordada com cautela e responsabilidade. A ênfase excessiva em previsões e sinais distorce a mensagem bíblica e cria divisões desnecessárias entre os crentes. Em vez disso, devemos olhar para a escatologia como uma doutrina de esperança, que nos move a agir em prol do Reino de Deus agora, enquanto aguardamos com expectativa o retorno de Cristo.

Cristo voltará. Isso é um fato inegociável. Mas até lá, nossa tarefa é clara: viver de forma que o mundo veja, em nossas vidas, o reflexo do amor e da justiça de Deus. Isso é a verdadeira escatologia cristã: não a fuga do mundo, mas o comprometimento com ele, até que Ele venha.

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Casado com Janaína e pai do Ulisses. Tutor da Zaira (Chow-Chow) e do Paçoca (hamster). Escritor por hiperfoco e autista de nascença. Membro e presbítero da Igreja REMIDI e missionário pelo PRONASCE. Teólogo, Filósofo e Pedagogo em formação. Especialista em Docência do Ensino Superior e em Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Meus autores preferidos são: Agostinho, Kierkegaard, João Wesley, Karl Barth, Bonhoeffer, Tillich, C. S. Lewis, Stott e alguns pais da igreja. Meus hobbys são: ler, assistir filmes e séries.

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