Religião: A Escada para Lugar Nenhum

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Introdução

O relato do primeiro assassinato na Bíblia, cometido por Caim contra seu irmão Abel, é um evento que transcende a simples narrativa de um crime. A motivação por trás deste ato hediondo encontra suas raízes na religião e na busca de aceitação divina. Este episódio nos oferece uma oportunidade única para refletir sobre a natureza da religião e sua capacidade de elevar o ser humano ou, paradoxalmente, de manifestar o seu pecado.

Tal como entre a cruz e o punhal, assim o ser humano se situa entre a religião e Deus. Karl Barth, em seu comentário à Carta aos Romanos, oferece uma perspectiva crítica sobre a religião como uma tentativa humana de alcançar a Deus, mas que, isoladamente, falha em nos conduzir a Ele. Este artigo explora a história de Caim e Abel à luz das considerações de Barth e relaciona essa realidade com os desafios contemporâneos da igreja cristã.

A Briga entre Caim e Abel: Culto e Competição

A narrativa bíblica em Gênesis 4 nos apresenta dois irmãos, Caim e Abel, que ofereciam sacrifícios a Deus. Abel, um pastor de ovelhas, ofereceu das primícias do seu rebanho, enquanto Caim, um agricultor, trouxe dos frutos da terra. Deus aceitou a oferta de Abel, mas rejeitou a de Caim, gerando ciúmes e ira no coração de Caim. A partir deste ponto, a religião, em vez de servir como um meio de comunhão com Deus, tornou-se uma fonte de disputa e divisão. Desde o início, religião e Deus são claramente distintos.

A briga que se seguiu entre os irmãos culminou na morte de Abel pelas mãos de Caim. Este trágico evento demonstra como a busca pela aceitação divina pode ser distorcida pela inveja e pelo pecado. O culto a Deus, que deveria ser uma expressão de devoção e humildade, transformou-se em um campo de batalha onde o orgulho e a competição tomaram o centro do palco.

A Religião como Manifestação do Pecado: A Visão de Karl Barth

Karl Barth, em sua obra sobre a Carta aos Romanos, argumenta que a religião é uma das maiores expressões da humanidade, seja em sua busca por Deus, seja em sua manifestação do pecado. Segundo Barth, a religião representa a tentativa do ser humano de alcançar a Deus através de suas próprias forças. Contudo, ele enfatiza que, por mais que a religião possa elevar alguém, ela é incapaz de, por si só, levar o ser humano a Deus. Em outras palavras, religião e Deus não são sequer opostos, visto que a religião só surge pelo pecado.

A religião, na visão de Barth, é como uma escada que leva a lugar nenhum se não estiver firmemente ancorada em Cristo. A história de Caim e Abel ilustra essa realidade: a prática religiosa de Caim, desprovida de um coração verdadeiramente voltado a Deus, resultou em destruição e morte, em vez de comunhão e vida. Assim, a religião, em seu potencial de elevação, também possui o potencial de revelar o pecado humano em sua forma mais crua.

Comparação com a Realidade Contemporânea na Igreja Cristã

Atualmente, a igreja cristã enfrenta desafios semelhantes aos encontrados por Caim e Abel. Muitas vezes, a prática religiosa pode se transformar em um campo de disputa, onde a busca por reconhecimento, status e aceitação toma precedência sobre a verdadeira adoração a Deus. Igrejas podem se tornar lugares de competição, onde membros buscam destacar-se uns sobre os outros, perdendo de vista o verdadeiro propósito do culto e da comunidade cristã. Contrapomos religião e Deus da mesma maneira que Caim e Abel, ao invés de usarmos colocarmos a religião como serva de Deus.

A lição de Caim e Abel é um lembrete poderoso de que a religião, quando desprovida de um relacionamento genuíno com Deus, pode se tornar uma manifestação do pecado. A religião, por si só, não é suficiente para nos conduzir a Deus; é apenas por Cristo que podemos alcançar a salvação. Portanto, nossa disposição como discípulos de Cristo deve ser de humildade, serviço e verdadeiro arrependimento, buscando sempre a comunhão com Deus e com nossos irmãos e irmãs na fé.

Conclusão

A história de Caim e Abel nos desafia a refletir sobre a natureza da religião e sua capacidade de elevar ou manifestar o pecado humano. A religião, em sua forma mais elevada, ainda é insuficiente para nos conduzir a Deus; somente por meio de Cristo podemos encontrar o caminho para a verdadeira comunhão com o Pai. Como discípulos de Cristo, devemos estar vigilantes contra as armadilhas da competição e do orgulho dentro da igreja, buscando sempre um coração verdadeiramente voltado a Deus e um espírito de humildade e serviço em nossa prática religiosa. Precisamos perceber que religião e Deus não são dois lados da mesma moeda, muito pelo contrário, a religião é um artifício que Deus usa para nos mostrar que ele é real e inalcançável por nossas forças.

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Paulo Freitas

Paulo Freitas

Paulo Freitas é teólogo, filósofo, professor e presbítero. Autista, escreve sobre fé, fragilidade, dor, neurodiversidade e tudo o que nos torna profundamente humanos.

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